DE ROMA A FÁTIMA, COMO PEREGRINO DO ESPÍRITO
De Roma a Fátima, como peregrino do Espírito
Para a História do Renovamento Carismático em Portugal
ROMA – 1974
No dia 24 de Fevereiro, com mais 50 neófitos, iniciei esta caminhada de 7 semanas, no meio da qual se celebrou para todos a cerimónia da“Efusão (Baptismo) do Espírito”, coração do Renovamento Carismático.
As sessões realizavam-se aos Domingos, das 17h às 21h e compreendiam: Acolhimento, Oração, Ensinamentos (Amor de Deus, Conversão, Vida Nova no Espírito, Recebendo o Dom de Deus, Carismas, Efusão do Espírito, Comunidade, Transformação…). Vários destes ensinamentos foram ministrados por professores da Gregoriana. A seguir ao ensinamento realizava-se uma reunião em pequenos grupos, coordenados por irmãos e irmãs com maior experiência carismática. Esta reunião servia para partilhar e sublinhar alguns aspectos de ensinamento e para um tempo de perguntas e respostas.
O meu grupo (Espiríto de Vida), composto por 7 neófitos, era coordenado por uma Senhora dos seus 60 anos, chamada Thérese Dupuy, mulher de profunda vida carismática. Quando ela perguntou se alguém tinha alguma dificuldade ou queria fazer perguntas, eu levantei o braço e disse:
– Eu gostei muito do ensinamento sobre o Amor de Deus mas não compreendo, nem acredito nisto a que chamam dom de línguas!…
Madame Thérese fitou-me e disse-me, com muita simplicidade e delicadeza:
– P.e José. Certamente conhece o capítulo 12 da I Carta de S. Paulo aos Coríntios. Aí S. Paulo fala dos vários carismas que os primeiros cristãos usavam como ferramentas para edificar a comunidade.
E, respondendo-me com um argumento “ad hominem” que eu nunca mais esqueci, acrescentou:
– Muito me admira que o P.e José, sendo Missionário do Espírito Santo, não aceite nem acredite neste dom do Espírito Santo, que é sem dúvida o mais pequeno, mas que é fundamental para a oração e para receber outros dons…
O argumento fez-me calar, mas não me convenceu. Foi na Gregoriana, num curso ministrado pelo P. Sulivam, Jesuita, que falando de carismas explicou um pouco o que é o dom de línguas. A exposição convenceu a meu intelecto. Agora só faltava abrir o coração, e tagarelar para Deus como criança que tagarela para os pais.
A graça da efusão (Baptismo) do Espírito – 24 de Março de 1974
Foi no dia 24 de Março de 1974 que, ao meio da caminhada dos Seminários , se realizou a celebração para a “Efusão (Baptismo) do Espírito”.
Depois da oração inicial e do ensinamento sobre a “Efusão do Espírito”, em consonância com a Bíblia, a Teologia e a prática na Igreja dos primeiros tempos, houve uma hora de oração pessoal. Cada um, com a liberdade que o Espírito dá, era livre de dar o passo em frente, renunciando a todo o pecado e aceitando Jesus como Salvador e Senhor de sua vida. Fez-se a renovação das promessas do Baptismo, já que a “Efusão” é uma graça que, pela fé dos crentes e pela oração da comunidade, renova, reanima e dinamiza a vida baptismal, abrindo caminho para libertar e deixar actuar livremente o Espírito Santo.
Em pequenos grupos, irmãos e irmãs do grupo Hossana e de outros grupos de Roma, rezaram e impuseram as mãos sobre cada um dos 50 neófitos que, como eu, aceitaram na fé e na humildade fazer esta experiência de vida nova.
Uma experiência única, inesquecível, inexprimível…
Uma experiência espiritual não se pode descrever. Pode sim, viver-se e testemunhar-se pelos frutos.
Este dia e esta graça da Efusão sinalizam uma nova fase da minha vida, como cristão, sacerdote e missionário. Alguns dias antes tive consciência profunda que algo de novo ia acontecer na minha vida…
Duante a oração algo aconteceu de profundo, de belo, de maravilhoso que não sei descrever, mas que me penetrou até ao mais fundo do meu ser. Naquele momento, eu poderia dizer que o Espírito Santo veio sobre mim e me deu uma consciência viva de que Deus me habitava.
Durante a cerimónia, e em muitos dias que se seguiram, a presença de Deus fazia-se sentir na paz, na alegria, na harmonia, no amor. O Espírito de Jesus deu-me consciência clara que a semente da Palavra de Deus estava lançada e a germinar no meu coração, para rezar sem cessar, amar Deus e os irmãos, tirando de mim todas as fronteiras de indiferença, de ressentimentos… Jesus havia operado no meu coração ferido a graça da conversão e do entusiasmo missionário. Outros frutos se foram manifestando: um grande amor à Eucaristia, aos Sacramentos e uma maior devoção a Nossa Senhora… Senti que aconteceu um Pentecostes pessoal que, como faúlha do Espírito, uma vez criadas as condições, quer crescer e propagar-se…
A experiência da “Efusão” que gera a vida nova no Espírito é muito mais vasta e profunda e não há palavras no dicionário para explicar o “inexprimível” em linguagem humana…
A semente foi lançada e acolhida em Roma, cabeça e coração da Igreja de Cristo, essencialmente hierárquica e essencialmente carismática.
Esta semente de Vida Nova no Espírito irá germinar, em Fátima, florir e frutificar em Portugal, como se relatará em posteriores edições.
Lisboa , 24 de Março de 2001
P.e José da Lapa
Missionário do Espírito Santo
Milão foi a primeira etapa desta peregrinação espiritual e geográfica. No dia 4 de Junho de 1974 visitei um pouco da cidade: vi o quadro mural “a última ceia” de Leonardo Da Vinci e percorri, pormenorizadamente, a majestosa Catedral de Milão “II Duomo”. Pelas 18h a Irmã Maria Francesca, das Irmãs do Cenáculo, levou-me à casa da sua Congregação, Via Fratelli Gabba, 7B, onde começava a reunir-se, em oração carismática, o primeiro grupo de Milão. Em Roma a irmã tinha-me pedido para celebrar a Eucaristia para o Grupo. Foi na Capela das Irmãs, em ambiente de Cenáculo, que celebrei a Eucaristia para 15 pessoas: religiosas e leigos(as). Pelo que me disseram, foi a primeira Eucaristia “carismática” em Milão, para o primeiro grupo, que estava a germinar, e através do qual o Renovamento no Espírito Santo se difundiria por toda aquela diocese e região. Após a Eucaristia as irmãs serviram-nos uma refeição fraterna; partilhando a graça deste encontro, recordámos a caminhada feita em Roma na Casa Geral das Franciscanas Missionárias de Maria (Via Giusti 12).
No dia 6 de Junho continuei a viagem, rumo à Suíça, onde passei 8 dias: primeiro em Locarno, em casa de uma família amiga. Depois noutros pontos da Suíça, visitando casas e confrades espiritanos, fazendo paragem maior em Friburgo, onde a Congregação tem uma Universidade Católica-Missionária.
Em todos os lugares da Suíça por onde passei, ninguém sabia da existência de grupos do Renovamento Carismático.
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A caminho de Paris
Em meados de Junho deixei a Suíça, onde as belezas das montanhas e dos lagos extasiavam o olhar, mas não impediam que o meu interior vivesse como num deserto. Retomei a viagem, tendo como meta chegar a Paris, desejoso de encontrar Irmãos e grupos do Renovamento Carismático, que ali sabia existirem.
Respirei fundo quando, chegado a Paris, fui recebido fraternalmente, pelo Superior e confrades espiritanos da nossa Casa Mãe, na Rue Lhomond, ali no coração de Paris, bem perto do Panteão. Na primeira oportunidade, dirigi-me à Capela da Comunidade e louvei o Senhor por me encontrar naquele lugar, no coração da Família Espiritana, onde em 2 de Fevereiro de 1852 expirava, durante o cântico do Magnificat das Vésperas da Apresentação, o Venerável P.e Francisco Maria Paulo Libermann, judeu convertido e Pai espiritual dos Espiritanos.
No dia 16 de Junho, já retemperado da viagem, a minha primeira preocupação foi dialogar, com alguns confrades, sobre o “Renouveau Charismatique”, providencialmente surgido, após o Vaticano II, na nossa Universidade do Espírito Santo, em Duquesne, Pittsburg, Estados Unidos, no célebre Fim de Semana de 17 -19 de Fevereiro de 1967.
Para minha alegria, soube que, na Casa Geral, vários espiritanos estavam ao par deste acontecimento eclesial e que, em Paris, começavam a germinar grupos carismáticos. Foi ali, na Casa Mãe, que um confrade me falou dos grupos de Montparnasse e de Auteuil.
Durante os dias que estive em Paris, além de visitar amigos e lugares históricos desta Cidade da Luz, a minha preocupação maior foi contactar grupos carismáticos, sobretudo os dois atrás referidos. No grupo de Montparnasse, que reunia cerca de 200 pessoas, participei só uma vez. A minha presença não foi notada.
Mas foi no grupo de Auteuil, muito perto da Obra dos Orfãos de Auteuil, à qual o P. Daniel Brottier entregou a sua vida, que eu revivi, em família, a minha experiência de Roma. Na cripta da Igreja, mais de 400 pessoas se apinhavam e, após um acolhimento caloroso, de uma animação exuberante, um sacerdote deu as boas vindas, apontou o sentido daquela Assembleia e, com a invocação ao Espírito Santo, a reunião decorreu num clima de profundo louvor, intercortado com passagens bíblicas, ressonâncias e testemunhos interpelantes. Após orações de intercessão, cantado o Pai Nosso de mãos dadas, o sacerdote abençoou a assembleia.
Um dos servidores convidou todos os que ali estavam pela primeira vez para um breve encontro, numa sala ao lado. Enquanto a assembleia saía, envolvida pelas canções alegres do ministério da música, o servidor, de nome Emmanuel, dirigiu-se aos novos, entre os quais eu me encontrava, pedindo ressonâncias àquela Assembleia de oração do “Renouveau Charismatique”, respondendo a algumas perguntas e anotando a identificação deste pequeno grupo de “novos”, cerca de 20 irmãos e irmãs. Como os outros, também eu me apresentei, dizendo quem era, donde vinha e para onde ia. Logo ali, o irmão Emmanuel me perguntou se pensava voltar na próxima semana. Quando lhe disse que sim, convidou-me para nessa altura ir rezar com os servos da coordenação, para depois, na Assembleia, dar o testemunho da minha experiência em Roma.
Foi o que aconteceu na semana seguinte. O irmão Emmanuel apresentou-me e, depois do louvor inicial, após um breve ensinamento sobre as origens do “Renouveau Charismatique”, dei, com simplicidade e alegria, o meu breve testemunho, no grupo Hossana, de língua francesa, em Roma.
Ao terminar a reunião, com cumprimentos, troca de endereços, promessas de oração, senti que fortes laços de união iam ligar este grupo de Auteuil ao Renovamento Carismático em Portugal. E isto aconteceu, já que entre estes irmãos se encontravam alguns que sonhavam com a formação da Comunidade Emmanuel, através da qual vários irmãos, alguns anos depois, vieram a Portugal e nos receberam nos grandes Encontros Carismáticos de Paray le Monial.
Viagem para Madrid…
Quase ao terminar o mês de Junho, depois destes maravilhosos encontros em Paris, continuei viagem até Madrid. Hospedado na Casa Provincial dos Espiritanos, no dia 2 de Julho, os meus confrades levaram-me ao Centro de Retiros de Los Molinos, onde, durante o mês de Julho, com mais de 50 pessoas (sacerdotes, religiosos/as e leigos) participei num curso especializado do movimento “Por um Mundo Melhor”.
Durante este mês de Julho de 1974 perguntei, durante o curso, se alguém conhecia, em Madrid ou em Espanha, grupos de “la Renovacion Carismática Católica”. Ninguém conhecia nem tinham ouvido falar…
Lisboa, 24 de Março de 2002
P. José da Lapa
Missionário do Espírito Santo
Ao terminar o Curso do “Mundo Melhor”, onde criei laços de sincera amizade, iniciei, no dia 5 de Agosto de 1974, a última etapa da minha viagem Roma -Lisboa. Durante os meses de Agosto-Setembro, o meu pensamento voava instintivamente para Roma, Milão, Paris… Em Portugal não encontrava ninguém que conhecesse o Renovamento Carismático. Para mim estes meses quentes de Agosto-Setembro, foram tempo de deserto de oração e de procura…
Em Fátima: Oração à Virgem e uma experiência partilhada
Por motivos pastorais desloquei-me a Fátima, no dia 15 de Outubro, festa de Santa Teresa de Ávila, a grande carismática carmelita. Fiquei hospedado na Casa de Retiros de Nossa Senhora das Dores do Santuário.
A primeira visita que fiz, em Fátima, foi à Capelinha das Aparições, onde me consagrei com o Renovamento Carismático, ao Coração Imaculado de Maria. No Coração da Virgem de Fátima depositei a semente deste fogo novo, que acolhi em Roma.
A Irmã Maria Gonçalves era, na altura, a Superiora da Comunidade das Servas de Nossa Senhora de Fátima, a trabalharem no Santuário. Há vários anos que conhecia a Irmã Maria Gonçalves, da Casa Geral, em S. Mamede – Lisboa, onde funcionava o Secretariado dos Cursilhos de Cristandade, do qual a Irmã era responsável. Também eu fiz o Cursilho e colaborei em vános…
Naquele dia 15, depois do almoço, falei longamente com a Irmã Maria, contando-lhe, em pormenor, a minha experiência carismática em Roma. A Irmã ouviu e depois riu-se a bom rir, pensando que eu estava a delirar. Dizia não acreditar… Entretanto não sei o que se passara no seu interior…
Regressei a Lisboa para os meus trabalhos missionários. Passados 15 dias, no dia 30 de Outubro, a Irmã Maria Gonçalves telefona-me para a L.I.A.M., na Rua de Santo Amaro à Estrela. Disse-me que tinha ficado a pensar muito na minha confidência e que, em nome de 12 pessoas que, a pedido do Senhor Bispo D. Alberto Cosme do Amaral, pensavam formar o grupo CORIMA (Coração Imaculado de Maria) para a difusão da Mensagem de Fátima, me convidava a ir a Fátima, no dia 6 de Novembro, para orientar, à tarde e à noite, uma recoleção espiritual a este pequeno grupo, à base da experiência de oração carismática.
Sem saber na aventura em que me ia meter, aceitei o convite.
Lisboa, 24 de Março de 2002
P. José da Lapa
Missionário do Espírito Santo
Em Portugal, o Renovamento Carismático Católico germinou em Fátima, no dia 6 de Novembro de 1974. Eis como tudo se desenrolou:
No dia 28 de Maio, na última reunião em que participei, no Grupo Hossana em Roma, alguém “profetizou” que a faúlha que eu levava de Roma, se iria propagar em Portugal. Depois da minha confidência à Irmã Maria Gonçalves SNSF, no dia 15 de Outubro, aceitei o convite que ela me fez para uma recolecção, no dia 6 de Novembro, à tarde e à noite, na Casa de Nossa Senhora do Carmo, do Santuário de Fátima. Participaram neste encontro 11 pessoas, com as quais o Senhor Bispo de Leiria, D. Alberto Cosmo do Amaral pretendia criar o núcleo central do CORIMA (Coração Imaculado de Maria) para a difusão da mensagem de Fátima.
Maria Gonçalves, programei o encontro:
Das 17h às 18h rezámos na Capelinha das Aparições. Neste lugar, como havia
feito no dia 15 de Outubro, entreguei ao Coração Imaculado de Maria esta
chama de Fogo Novo que trazia de Roma e que só desejava que
alastrasse. Consagrei o Renovamento Carismático a Nossa Senhora e pedi a
sua presença e benção para esta primeira reunião carismática que, ali aos
seus pés, estávamos a iniciar…
Pelas 18.30h reunimo-nos numa sala da Casa de Nossa Senhora do Carmo e,
depois de uma breve oração e invocação do Espírito Santo,
fiz a introdução ao Encontro, contando como o Renovamento Carismático
surgiu na Igreja Católica, concretamente na Universidade
Espiritana de Duquesne-Pittsburg, Estados Unidos, como fruto do Vaticano II.
Partilhei também com o grupo, um pouco da minha experiência em Roma. Pelas 19.30h, em volta da mesma mesa, partilhámos uma
refeição fraterna, apresentámo-nos uns aos outros e, até às 21h, convivemos.
Se a memória não me falha participaram nesta recolecção, à tarde e depois à noite: Irmã Maria Gonçalves, Cónego Perdigão, P.e Manuel Couto, P.e Manuel Antunes,
P.e Francisco Vermelho, P.e José Morais, P.e Pedrosa, Rosa Maria Nogueira, Irmã Maria Laíde, Irmã Maria do Céu Farinha, Irmão Jorge e eu, P.e José da Lapa,
Missionário do Espírito Santo.
Pentecostes em Fátima
Naquela noite de 6 de Novembro de 1974, durante aquele tempo de Cenáculo, vigília que se prolongou das 21.00h às 24.00h, aconteceu um pentecostes pessoal e comunitário, naquela pequena Sala de Visitas, junto da Capela da Casa de Retiros de Nossa Senhora do Carmo, naquele lugar, onde agora passa, subindo e descendo, um grande elevador…
As componentes de uma reunião de oração carismática (Acolhimento, Animação/Libertação, Invocação do Espírito Santo, Louvor, Adoração e Acção de graças, Leitura e Meditação da Palavra, Testemunho, Partilha, etc.) já eu as havia dado e explicado na introdução desta Recolecção.
Num clima de profunda paz e união fraterna, este pequeno grupo cantou com fé e alguma expectativa “Eu Louvarei…” e algum tempo depois invocou o Espírito Santo, cantando: “Vem Espírito de Deus, vem-nos conduzir…”. A consciência e a sensação de que Cristo vivo e ressuscitado estava presente no nosso meio era quase palpável. Actualizámos, ali e naquele momento, a palavra de Jesus: “Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, Eu estarei no meio deles!” Foi lido e saboreado o salmo 22: “O Senhor é o meu Pastor, nada me pode faltar…”. Textos da Festa de Pentecostes foram proclamados, partilhados e vivenciados, nomeadamente o Evangelho de Jo 20,15-23 (a paz esteja convosco) e o texto de Pentecostes Act 2,1-11.
Em espírito, voámos até ao Cenáculo de Jerusalém e, em união com Maria, com os Apóstolos, as Santas Mulheres e os Discípulos, rezando uns pelos outros, vivemos a experiência de Pentecostes, que iniciou a Igreja de Jesus Salvador e Senhor, que veio trazer fogo à Terra e que só deseja que ele alastre… Na pobreza, na simplicidade e na disponibilidade destes irmãos eu vi e atesto que, naquele pequeno Cenáculo, Jesus se manifestou e que “todos ficaram cheios do Espírito Santo”: aconteceu, inesperadamente uma verdadeira “efusão do Espírito Santo”, renovação actualizada da graça baptismal…
Na parte final, ao apresentarmos as nossas intenções e súplicas, o P.e Manuel Couto, na altura pároco de Cós (Alcobaça) e agora pároco em Celorico de Basto (diocese de Braga) pediu oração a todo o grupo informando: “ao vir para Fátima, uma senhora da minha paróquia, a chorar, pediu-me para rezar em Fátima por uma criança, sua filha, de tenra idade, que a brincar meteu as mãos e a cara numa tina de cloreto. Ficou com graves queimaduras, sendo atingida nas mãos, na cara e nos olhos, estando, no dizer do médico, na iminência de ficar cega…” Rezámos por esta intenção e tomámos o compromisso de continuar a rezar a Jesus, através de Nossa Senhora de Fátima, para que o “milagre” de cura acontecesse nesta criança…
Terminámos esta oração comunitária, cantando, de mãos dadas, o Pai Nosso. Consagrámo-nos a Nossa Senhora e cantámos, tendo como refrão o Avé de Fátima:
A seis de Novembro,
Na Cova da Iria,
O Renovamento
Floriu em Maria!
Avé,avé,avé Maria!…
Sem planos a longo prazo, comprometemo-nos a viver e a reviver em oração esta experiência de Vida Nova no Espírito e marcámos um próximo encontro já mais aberto, para o 2º Domingo de Dezembro.
Entretanto, este pequeno grupo começou a reunir semanalmente em oração.
No Santuário de Fátima, a faúlha do Espírito torna-se fogueira de Vida Nova
No 2º Domingo de Dezembro, dia 8, Festa da Imaculada Conceição, com
alguns irmãos de Lisboa, voltei a Fátima para vivermos uma Assembleia
de Oração Carismática.
Os irmãos e irmãs que participaram na reunião do dia 6 de Novembro
convidaram outras pessoas: sacerdotes, religiosos/as e leigos,
estacando-se um bom punhado de jovens, seminaristas, noviços/as
das Casas Religiosas de Fátima. Cerca de cem pessoas
particiaram nesta reunião semi-aberta, na Casa de Nossa Senhora do Carmo.
Os cânticos jubilosos ressoaram na sala e, sobretudo, nos corações.
Havendo tanta gente de novo, senti o imperativo de desenhar, a traços largos,
as coordenadas fundamentais do Renovamento Carismático Católico.
Um tempo de oração e cânticos de louvor, conforme o espírito do
Renovamento, foi a preparação próxima para a Eucaristia da
Imaculada Conceição.
Comigo vários sacerdotes concelebraram esta Missa festiva e toda a
Assembleia participava, rezando, cantando e exultando de alegria.
A Irmã Maria Gonçalves primou não só arranjando a sala e decorando o altar, mas também coordenando com simplicidade e discrição toda a liturgia.
No fim desta “Missa Carismática” houve testemunhos belos e interpelantes.
A paz, a alegria, a unidade e o amor eram como contas de um rosário que nos unia, “num só coração e numa só alma.”
Quase a concluir este tempo de testemunhos, o P.e Manuel Couto, pároco de Cós (Alcobaça), pediu a palavra e testemunhou:
“O P.e Lapa e os irmãos e irmãs que estiveram no nosso encontro de 6 de Novembro lembram-se de eu ter pedido oração intensa pela cura de uma criança gravemente queimada nos olhos, na face e nas mãos, quando meteu as mãos e a cara numa tina de cloreto. Os médicos julgavam-se impotentes para livrar a pobre criança da cegueira. Louvo o Senhor pela oração dos irmãos do grupo inicial que acreditaram na palavra de Jesus: “tudo o que pedirem com fé, na oração, vós o alcançareis”. Hoje, passado um mês e dois dias, posso testemunhar que Deus ouviu a nossa oração, Ele deu-nos o sinal da Sua força e da Sua presença, curando totalmente esta criança. A criança vê perfeitamente e as cicatrizes, nas mãos e na face, praticamente desapareceram. A alegria inundou o coração dos pais e da família desta criança. Com este sinal que Jesus nos deu, através da intercessão de Nossa Senhora, eu creio que o Renovamento Carismático tem o selo de Deus e que a Graça de Pentecostes vai também acontecer em Portugal.”
Toda a Assembleia exclamou: “Glória a Ti Senhor!” E cantou: “Graças Senhor!”
O pequeno grupo de Fátima, que depois se baptizou com o nome “Coração Imaculado de Maria” (CORIMA), coordenado pela Irmã Maria Gonçalves, pela Rosa Maria Nogueira, primeira jovem do Renovamento em Portugal, pelo Cónego Perdigão, pelo Irmão Jorge, dos Maristas, pediu-me para, durante algum tempo, ir mensalmente a Fátima para orientar estas Assembleias.
Ficou assente que aos terceiros Domingos, da parte da tarde, se realizassem Assembleias abertas. Para o mês de Janeiro ficou marcada a tarde do dia 19.
Janeiro de 1975 – 2ª Assembleia em Fátima
No dia 19 de Janeiro desloquei-me, de novo, a Fátima, com mais 7 irmãos/as do grupo com o qual no dia 5 de Janeiro de 1975, na Casa dos Missionários do Espírito Santo, se iniciou o Renovamento Carismático Católico em Lisboa. (destes acontecimentos falaremos mais tarde).
Qual não foi o nosso espanto, ao entrar no grande salão da Casa de Nossa Senhora do Carmo e ver que ali estavam congregadas mais de 200 pessoas.
Durante a refeição na Casa de Retiros, antes da Assembleia, veio ao meu encontro um Bispo da América Latina, exactamente o Arcebispo de S. Francisco-Argentina, que manifestou o desejo de participar na Assembleia Carismática que teria início às 15h. Manifestei-lhe a nossa abertura, gratidão e alegria. Nessa tarde realizamos uma Assembleia de Louvor, com ensinamentos sobre as componentes fundamentais de uma Reunião de Oração e testemunhos de vida nova de irmãos de Fátima, de Leiria, de Lisboa e de outras partes.
Na parte final o Senhor Arcebispo de S. Francisco deu-nos uma palavra de encorajamento e confessou que, antes desta reunião, tinha preconceitos a respeito da “Renovación Carismática”, mas que durante a Assembleia de Oração os preconceitos desapareceram completamente. Deu graças a Deus e a Nossa Senhora de Fátima pela luz que se fizera, naquele momento, em seu espírito. O Renovamento Carismático, que ali em Fátima o envolveu, parecia-lhe ser uma poderosa manifestação do Espírito Santo, para ele e sua acção pastoral, para a Igreja e para os nossos tempos. Disse ter encontrado, ali, a resposta de Deus para os seus anseios apostólicos.
As reuniões em Fátima, continuaram sob a orientação da Irmã Maria Gonçalves (que mais tarde viria a fundar, a partir do Renovamento e como seu fruto, a Comunidade para os Sem-Abrigo “Vida e Paz”…), da Maria Rosa Nogueira, do Cónego Perdigão e do Irmão Jorge, em profunda união e colaboração com o primeiro grupo de Lisboa que, depois, se viria a chamar PNEUMAVITA.
Do grupo de oração CORIMA começaram a saltar faúlhas deste fogo novo para a Marinha Grande, Leiria e outros pontos da região.
A partir do mês de Maio de 1975, depois do Congresso Internacional de Roma, no qual participámos 17 portugueses, as actividades do Renovamento Carismático em Fátima, com a colaboração do grupo CORIMA, começaram a ter uma projecção nacional, sempre acompanhadas e abençoadas pelo Senhor D. Maurílio de Gouveia, na qualidade de Presidente da Comissão Episcopal para o Apostolado dos Leigos.
Fátima, 6.11.2002
P.e José da Lapa
Missionário do Espírito Santo