O papel do sacerdote no Renovamento é ao mesmo tempo delicado e indispensável: delicado porque pode dar origem a tensões, indispensável porque a sua presença e acção no grupo, são indispensáveis.
Quais são as tensões?
A primeira é a de carácter “espontâneo “. Na verdade, por um lado, o Renovamento é devido à experiência dos leigos, os quais, portanto, desejam de ter uma função de destaque no mesmo, porque foram os iniciadores e têm uma maneira própria de o ver, e por outro lado, o RCC é uma forma eclesial inserida na própria Igreja.
Como tal, o Renovamento tem que ter uma parte, não secundária, o sacerdote, especialmente no caso em que é explicitamente o representante do bispo, que é o verdadeiro responsável da sua vida e da sua acção. É suficiente esta constatação para que surja uma certa tensão entre os leigos e o padre, especialmente entre aqueles que fazem parte do Núcleo. Alguém poderá até dizer “entre carisma e instituição”. Neste caso, o carisma é o dos leigos e que deu vida ao Renovamento enquanto que a instituição é a hierarquia: Na prática, o sacerdote, mais ou menos conscientemente, tenta reduzi-lo sob a sua autoridade ou “diluí-lo”. São tensões naturais, normais, que podem surgir em qualquer movimento .
A segunda tensão é mais profunda. Os líderes leigos ou iniciadores do Renovamento – e o mesmo pode ser dito para outros movimentos – não têm a formação teológica e espiritual do sacerdote, que , por detrás dela, tem anos de estudos teológicos e vida ascética que o colocou em posição de avaliar a extensão de um fenômeno como o Renovamento , talvez de um modo melhor do que os próprios fundadores do grupo. Estes, os leigos que tiveram uma intuição, da qual sentem toda a beleza , mas da qual , talvez, não saibam ver o lado negativo, já posto em evidencia à luz de movimentos semelhantes que surgiram na Igreja. Como não há nada de novo sob o sol também não há nada de novo na Igreja. Isto, o padre sabe-o melhor do que um leigo . Daí a tensão entre aqueles que veem tudo positivo, e os que veem o lado positivo e o negativo.
A terceira tensão reside no facto de que o Renovamento se basear no Espírito Santo, seus dons e carismas. Ora, nada mais fácil, para aqueles que não têm formação teológica suficiente, trocarem a inspiração do Espírito, ou um carisma, por aquilo que é apenas as suas opiniões pessoais, e por isso se possam facilmente entusiasmar. O padre, no entanto, por estes aspectos não se entusiasma tão facilmente. Ele é levado a fazer uma avaliação duma forma mais crítica, precisamente porque ele sabe teologia e história da Igreja, e sabe que a história já validou e dimensionou certos pontos de vista, mostrando os aspectos positivos e os negativos. É verdade, sim, que o Espírito Santo sopra como e onde ele quer, mas também é verdade que, em vinte séculos de experiência, os mestres espirituais, como Santo Inácio de Loyola, foram capazes de identificar algumas das suas linhas de acção e distingui-las nitidamente de outras que provêm de outras forças, capazes de afectar o homem.
Existe uma outra fonte de tensão, também característica do Renovamento. E que é, em que, pelo menos nos seus primeiros tempos, ter sofrido uma influência protestante Não há nisto nada de errado, porque sabemos que temos algo a aprender com os nossos “irmãos separados “. Mas também é verdade que nós, os católicos, não podemos aceitar certas posições do pentecostalismo protestante. Assim, para dar um exemplo muito concreto, nós não somos levados a acreditar muito facilmente na possessão demoníaca, como fazem eles. E devemos reconhecer que ainda não fomos capazes de eliminar pelo menos algumas ressonâncias dessa influência no RCC. Normalmente, o sacerdote, ” mais facilmente do que o leigo” vê esses elementos protestantes. Quando se pensa o que a Igreja ensina sobre a possessão, como procede com cautela em casos de suspeita de possessão demoníaca, e a cautela que tem em afirmar a natureza milagrosa de certos factos e, pelo contrário, a facilidade com que alguns dos nossos “líderes ” veem o diabo em todos os lugares, e com que fazem milagres todos os dias, você pode imaginar a tensão que pode surgir entre eles e o sacerdote. O sacerdote, muitas vezes è criticado por não acreditar nos carismas, quando na verdade ele não acredita em certos exageros.
Se posso fazer uma comparação, eu diria que a atitude do sacerdote em relação ao RCC, é semelhante, em alguns aspectos, à de S.Paulo em relação aos carismáticos de Corinto. Sem dúvida, o apóstolo acreditava nos carismas e estimava-os como dons do Espírito Santo na Igreja, mas não compartilhava o exagerado entusiasmo de alguns cristãos daquela comunidade, que tinham certos carismas e especialmente o facto de se esquecerem que esses carismas não eram para beneficio próprio.
Alguns exegetas perguntam porque é que São Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 12, dando-nos uma lista desordenada dos carismas que o Espírito concede á comunidade, uma lista que é espontânea, tal como está, sem pensar muito sobre o assunto e por isso ainda mais significativo, porque é que ele coloca em primeiro lugar os dons da sabedoria, conhecimento e fé (cf 1 Cor 12,8-9), e só depois os mais ” chamativos ” as curas, milagres, línguas, etc. Neste fato, os exegetas vêm uma polémica de São Paulo contra a maneira dos Coríntios interpretarem a importância dos carismas. Os cristãos de Corinto favoreciam o dom de línguas , profecia e cura, mas não praticavam e não se importavam, o suficiente, com os outros dons talvez mais importantes. Pode ser que os Coríntios o fizessem porque o seu critério de avaliação era o do gosto pessoal e o da espectacular idade do carisma. Paulo, por outro lado, nega a validade deste critério, e afirma que a importância dum carisma é validada pela contribuição que leva à edificação da Igreja.
Claramente, a polêmica de São Paulo com o Coríntios, supõe um conhecimento da Igreja e das funções que contribuem para a sua construção, mais profundo do que o possuído pelos seus correspondentes . Hoje diríamos: uma formação teológica e espiritual que os cristãos da sua época não tinham ainda.
No caso do sacerdote que trabalha no RCC, uma realidade de alguma forma nova, mas que ele avalia com base no conhecimento da Igreja, o que normalmente pode faltar aos leigos, quer aos iniciados quer aos líderes de grupos .
Em termos concretos: Qual a função do sacerdote num grupo? Como eliminamos essas tensões entre ele e os responsáveis dos grupos?
A resposta é simples na teoria, mas difícil de implementar: as tensões são eliminadas através do diálogo entre o sacerdote que , de uma forma ou de outra, se ocupa do RCC, e os seus líderes leigos. Mas que conteúdo implica este diálogo?
I. Primeiro de tudo , que o padre deixe a direcção do grupo aos leigos, na maneira do possível. Em geral, portanto, sou da opinião de que os grupos do Renovamento devem ser liderados pelos leigos e não por sacerdotes, excepto nos casos em que não haja suficientes leigos dirigentes ou que ainda não estejam em condições e com formação para assumir a responsabilidade de um grupo. Isto corresponde não só ao facto de que o RCC foi iniciado por leigos e por isso é bom conceder-lhes a “direcção “, mas também a tendência da Igreja pós-conciliar em confiar aos leigos ministérios de que são capazes. Entre isto está a liderança de um grupo de oração.
Segundo este princípio, o sacerdote deve colaborar com os membros do grupo para encontrar os elementos mais adequados para a formação da “Pastoral de Serviço”. Uma vez que este esteja formado, deixá-lo trabalhar como o Núcleo discerne, tolerando alguns pequenos erros em que possa incorrer, para intervir somente nos casos em que a sua opinião seja realmente necessária. Assim, um sacerdote pode mesmo tolerar que na oração sobre um irmão, ou mesmo na Efusão do Espirito, alguns ordenem ao demônio para sair, mas não que este irmão seja considerado um possesso á priori. Assim, também, pode permitir a um irmão falar em línguas com certa frequência, mas não de forma contínua, muito menos numa cadência fixa, de modo que todos na assembleia saibam que num dado momento o irmão X vai “dar show”. Sem dúvida, esses excessos ou erros podem ser corrigidos pelos membros do “Núcleo ” . Mas, se eles não conseguem fazê-lo , mesmo que estes problemas sejam provocados por elementos do próprio núcleo , o sacerdote terá de intervir , primeiro em privado, então , se não é ouvido , mesmo em público.
2 . Cabe ao sacerdote, em estreita comunhão com o núcleo , exercitar o discernimento sobre a autenticidade dos carismas , bem como sobre o seu uso. Sabemos que a decisão final sobre o uso dos carismas pertence ao bispo , mas isto é usado só em casos excepcionais, e, geralmente, essa tarefa cabe ao sacerdote , especialmente no caso em que é representante do bispo. Portanto, cabe ao padre, assistente espiritual de um grupo, ajuizar, sempre juntamente com o Ministério do Serviço, da autenticidade de uma profecia, especialmente quando se refere a casos e situações muito concretas. Há irmãos que, acreditando que têm o carisma da profecia, podem cair no erro de pronunciar, na oração ou fora dela , julgamentos perentórios de condenação a um outro irmão ou ao grupo inteiro , acreditando que foi investido por um especial mandato de Deus.
É dever do sacerdote intervir para conter o fervor pouco iluminado deste “profeta” e fazer-lhe perceber que a profecia nunca é de condenação , ou não o é , pelo menos, na medida e na forma em que ele a exerce.
O mesmo vale, e ainda com mais uma razão, para os “profetas” que acreditam que têm o direito de intervir nas coisas mais íntimas de um irmão, para corrigir a sua conduta moral , ou mesmo o estado de vida que ele escolheu , de acordo com a suposta inspiração do alto . Devemos ter cuidado pois de tal modo, especialmente quando os destinatários destes pseudoprofetas são de uma psicologia frágil, poderem cometer-se autenticas violações de consciência que a Igreja desaprova com firmeza. Muitas leis da Igreja são direcionadas justamente para preservar o mistério da consciência individual, na qual entra só o olhar de Deus. Francamente, a experiência do RCC fez-me perceber a necessidade e a sabedoria do Direito Canônico.
3 . Por fim , a missão do sacerdote no grupo da RCC é a formação teológica , catequética e espiritual do grupo, especialmente no Ministério do Serviço. O Renovamento quer formar pessoas maduras, capazes de colocar ao serviço da Igreja os seus dons e carismas . Para fazerem isso, eles devem conhecer a Igreja , e, portanto, Jesus Cristo, de que ela é o Corpo Místico. É a tarefa da teologia e da espiritualidade. Apenas uma boa formação teológica, seja mesmo ao nível não cientifico, pode derrubar certa ingenuidade que às vezes encontramos no Renovamento, como a de se crerem senhores, donos do Espírito, pela simples razão de que se fez a efusão, ou a de, para se conhecer a vontade de Deus sobre determinadas questões ser necessário só de reunir e orar por alguns minutos , ou pior ainda , abrindo a Bíblia ao acaso.
Em suma, a tarefa do sacerdote no grupo é a de um animador: ele deve ajudar a descobrir, desenvolver, coordenar e discernir os carismas dos irmãos e irmãs individualmente, especialmente aqueles do Núcleo, para sejam usados para o bem da Igreja e não para a satisfação de ambições pessoais. Uma tarefa que exige paciência, inteligência, e certo distanciamento, justamente porque ele sabe que a Igreja é guiada pelo Espírito Santo, não só apesar de nossas falhas, mas mesmo com elas.