Um manto de veludo escuro quase sem estrelas descera sobre Belém. A noite estava muito fria e, devido ao adiantado da hora, já todos se tinham recolhido. No desconforto de uma daquelas grutas que serviam de estábulo nas imediações da cidade, o bruxulear de uma candeia a óleo iluminava suavemente o interior, deixando perceber a figura de uma mulher e de um homem, ajoelhados ao lado da manjedoura de pedra. Sobre a palha dentro da manjedoura, um bebé dormia tranquilamente, embrulhado em faixas de linho.

Num ambiente de total despojamento e de profundo silêncio, os olhares da mulher e do homem fixavam-se no recém-nascido e abriam-se ao entendimento que o Espírito Santo lhes inspirava: aquele menino era verdadeiramente o Filho do Altíssimo. Os seus corações estremeciam de contemplação e todos os seus gestos eram a expressão de uma grande fé e confiança, em total comunhão com Deus. Navegando nas águas transcendentes da presença do Menino, compreenderam que o Salvador, o Messias tão esperado, viera ao mundo sem que ninguém se tivesse apercebido do seu nascimento; sem que os homens se tivessem mostrado capazes de O acolher, Ele penetrara na história envolvido na mais inconcebível solidão. E porque a graça tudo pode superar, Maria e José submergiram no resplendor daquela presença divina e entregaram-se à mais profunda adoração. Era o mistério do Natal.

Comprazendo-se em orações de louvor ao seu Senhor e exaltando a Sua infinita bondade e grandeza, cada um foi trazendo à memória recordações dos últimos tempos, todas elas vividas em função do Menino que iria nascer. Maria lembrou aquele dia em Nazaré em que o Anjo Gabriel a visitara, anunciando-lhe ter sido a escolhida para mãe do Filho de Deus, concebido no seu seio pelo poder do Espírito Santo. Maria emerge deste encontro mais brilhante do que nunca, reservada e silenciosa como verdadeira serva do Senhor. Imaculada e cheia de graça, atingida pela acção directa do Espírito Santo e feita templo substancial da Santíssima Trindade, todo o seu corpo e toda a sua alma estão concentrados no mistério infinito da encarnação.

Recordou também as palavras doces com que Isabel a recebera quando fora visitá-la a Ain-Karim: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre”. Revivendo este momento, Maria sentiu-se invadida por um fogo descido do céu e nos seus olhos brilhou uma nova luz: já não havia mais espera, tudo era presença. O tempo da espera passara para o tempo da realidade pois o fruto do seu ventre já tinha nascido. E porque a acção fecundante do Espírito Santo acarretara em Maria uma infusão extraordinária de dons, à luz dos quais ela via tudo muito claro, foi-lhe muito fácil compreender que, naquele lugar tão humilde e incómodo, apenas uma gruta escavada nas montanhas, se havia manifestado o poder do braço de Deus, dando assim cumprimento à promessa feita ao Seu povo, e as palavras antigas tomaram vida: “Será grande e o seu reino não terá fim!”.

Também José, ajoelhado diante do Menino e interiormente recolhido, recordava as palavras do anjo do Senhor que lhe aparecera em sonhos: “Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados”. Sentindo que Deus o tinha especialmente escolhido para cuidar de Maria e do fruto que nela germinava, com que delicadeza e veneração se aproximara dela! Agarrando-se à vontade de Deus, ficara em paz e a sua dúvida transformara-se em doçura. Frente ao grande mistério da encarnação, José fora levado pelo Espírito a dar também o seu Sim, tomando uma posição de total aceitação, em amorosa dependência e submissão filial a Deus. E, na pobreza da casinha de Nazaré e numa ainda maior pobreza de coração, Maria e José viveram o tempo da maternidade unidos em matrimónio virginal, numa aliança nupcial eterna, inteiramente possuídos pelo Espírito de santidade.

O Menino continuava a dormir, deitado nas palhinhas, quando Maria e José acolheram a visita de um pequeno grupo de pastores a quem um anjo aparecera a comunicar a boa nova: “Hoje nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor!” Na escuridão da noite, miríades de estrelas começaram a inundar o céu e uma música angelical rompeu o silêncio: era um coro de anjos que cantavam “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens por Ele amados”. O nascimento daquele Menino realizava a glória de Deus e a paz para todos os homens. Era a salvação tão anunciada, o restabelecimento da relação filial com o Pai; era o anúncio radioso da boa vontade de Deus para com a humanidade. Quando meditamos e oramos, o Espírito Santo opera em nós, tornando novo e presente todo o acontecimento. Vamos também prostrar-nos, adorar o Menino e viver, com Maria e José, o mistério do Natal. Na pobreza do presépio de Belém, Aquele que dorme na manjedoura é o sol que raiou sobre a criação, é o Amor que ama primeiro, é Deus que assume a nossa humanidade e, em troca, nos dá a Sua divindade porque do Verbo feito carne vem a verdadeira luz que rompe as trevas do abismo e que abre para nós as portas da eternidade.

O nascimento de Jesus deve ser um tempo de alegria, de conversão, de mudança de vida. É Deus que nos chama a sermos Seus filhos em Cristo pelo dom do Espírito Santo. Entremos, então, nesta experiência do sagrado, pois também nós fomos especialmente escolhidos para estar diante do Menino. Trabalhando ou descansando, mas sempre com o incenso da oração brotando do coração de cada um, vivamos, em total comunhão com o Senhor, o mistério da geração eterna do Filho de Deus para que, pela potência criadora e directa do Espírito Santo, Jesus nasça verdadeiramente dentro de nós e, assim, participemos na glorificação eterna de Deus nosso Pai, repetindo o cântico que o Espírito inspirou aos anjos naquela noite de Natal.

Isabel Moraes Marques