Encontro com o Pregador do Papa, Pe. Raniero Cantalamessa, no Santuário de Cristo Rei – 20 de Abril de 2010
Primeiro Ensinamento, sobre a Missão do Renovamento
A missão do Renovamento Carismático Católico (RCC) é manter viva a chama do Pentecostes. Por isso, vamos começar por ver a experiência do Pentecostes. Sucede uma coisa extraordinária. Quando na Missa se conta a instituição da Eucaristia, sabemos o que então aconteceu. Aquilo que aconteceu naquele dia, acontece de novo. Então esta tarde, esta tenda deve ser um cenáculo. Todos temos de sair hoje daqui com uma chama na cabeça. Sabemos que Deus é fiel a quem O convida e a quem O pede; por isso, o nosso desejo de receber o Espírito Santo é ainda maior.
(Foi feita a leitura do Pentecostes, nos Actos dos Apóstolos)
Primeiro, há um sinal para a audição; este é um sinal que já começava a instruir os apóstolos. Em grego, há uma mesma palavra para vento e espírito: “ruah”. O vento é o símbolo da força (agita o oceano); é também símbolo do poder, da potência. Há o vento exterior e o vento que sopra dentro de nós. E Deus serviu-se de um e de outro para falar do Seu Espírito. O vento que se torna vento interior exprime esta interioridade do Espírito; o Espírito é o doce hóspede da alma.
Depois, há um sinal para a vista: as línguas de fogo. É também um sinal, porque na Bíblia o fogo é sinal de purificação e de inflamação. João Baptista disse: «Eis Aquele que vos baptizará no fogo». Mas o Pentecostes ainda não é isto. O Pentecostes descreve-se em cinco palavras: «todos ficaram cheios do Espírito Santo». Será que percebemos o que é realmente o Pentecostes? É um mistério profundo. Então esta tarde, se queremos sair daqui cheios do Espírito Santo , temos de entender o que é “estar cheio do Espírito Santo ”.
O que é o Espírito Santo ? É o amor que une o Pai e o Filho na Trindade; é a chama que arde na Trindade e que é também luz, vida, felicidade. Para nós, é a palavra mais significativa. Segundo Santo Agostinho, o Pai ama; o Filho é amado; e o Espírito Santo é o amor que os une. Isto é uma teologia para todos. Portanto, quando se diz «todos ficaram cheios do Espírito Santo » é o mesmo que dizer «todos ficaram cheios do amor de Deus». Os apóstolos fizeram a experiência extasiante de serem amados por Deus. Quem diz alguma coisa sobre isto é São Paulo: o amor que está em Deus e que vem de Deus foi infundido nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. É uma descrição do Pentecostes e a experiência confirma isto mesmo.
Milhões de pessoas como vós fizeram a experiência do Pentecostes e a experiência comum a todos é que descobriram o que é ser amado por Deus. No 40º aniversário do RCC fez-se uma consulta a todos os líderes do RCC na Escócia e Irlanda. A primeira pergunta era: Qual foi a maior bênção que recebeste no RCC? A resposta mais dada foi: «Compreendi, pela primeira vez, o que é ser amado por Deus». Lembro-me de uma senhora de 80 anos que se sentia como uma menina. Fomos feitos à imagem de Deus, que é amor, e não podemos encontrar alegria senão no amor. Nós, que nascemos do amor de Deus, sem o amor de Deus ficamos tristes. Nos filmes e espectáculos há, quase sempre, uma busca do amor. Este amor de Deus renova, transforma as pessoas.
Nos EUA encontrei uma pessoa muito interessante; mais tarde, esse homem veio a Roma e eu tenho um programa na televisão italiana; então, convidei-o a dar o seu testemunho no meu programa. Era coronel americano e era o piloto do avião que tinha a bomba atómica que ia ser lançada sobre Moscovo; estava sempre em estado de prontidão para largar a bomba. Um dia, o filho disse-lhe: «Quero deixar o curso de Física e mudar para Teologia». Mais tarde, este filho casou e convidaram o Papa para ir ao casamento. Durante a cerimónia, o filho sugeriu: «Pai, porque não rezamos sobre ti?» O pai, por uma questão de boa educação, aceitou. Passados uns tempos, testemunhou: «Eu era o homem mais duro do mundo; nem sequer deixava que alguma mulher me tocasse, a não ser a minha mulher e a minha mãe. Quando me impuseram as mãos, senti uma torrente de amor sobre mim». Quando o amor de Deus vem sobre uma pessoa desta maneira, não renova somente essa pessoa, renova o matrimónio. E o Espírito Santo, quando vem, faz coisas incríveis.
Uma outra vez estava a pregar nos EUA e um casal entre os animadores convidou-me para jantar. Enquanto esperávamos pelo jantar, o marido, de mãos dadas com a mulher, contoume que, anteriormente, havia muitas discussões entre eles; um dia, tinham sido convidados a ir a um grupo de oração, ele foi e, durante a oração, sentiu sobre si um derramamento de amor. Chegado a casa, abraçou-se à mulher e o Espírito Santo veio também sobre ela. Agora, estão ao serviço da Igreja.
Um dia, convidei para o meu programa de televisão um professor que dá aulas em Roma. Era um professor de astrofísica que, como viajava muito, frequentemente estava separado da mulher, e este professor contoume: «Um dia, eu e a minha mulher não trocámos uma única palavra durante uma viagem de sete horas». Este homem, a determinada altura, teve de acompanhar a mãe a um encontro de oração; rezaram sobre ele e ele sentiu que o coração como que se derretia. Chegou a casa e começou a dizer à mulher que a amava. Este amor de Deus renova as pessoas, os casais, as paróquias; neste sentido, o Pentecostes é a coroação de todo o plano de Deus.
Antes do Concílio Vaticano II, o Espírito Santo era uma força suplementar dada à Igreja para levar a mensagem de Cristo até aos confins da terra. Mas o Espírito Santo não é a força para levar a salvação; Ele é a salvação. É o Espírito Santo que torna a salvação de Jesus presente num determinado lugar. Deus cria o mundo para participar no Seu amor e o pecado vem destruir esta ligação; Jesus vem destruir o pecado e voltar a dar sentido a este amor. Se todas as cópias da Bíblia desaparecessem e se sobrasse só uma página, e se sobrasse só uma linha e esta linha fosse aquela da 2ª Carta de João que diz «Deus é amor», então toda a Bíblia estava salva. O exemplo deste amor são os próprios apóstolos, que entram no cenáculo cheios de medo. Os apóstolos estavam muito centrados sobre si mesmos e discutiam entre eles qual deles era o maior. Depois do Pentecostes, só querem proclamar o amor de Deus; já não discutem entre eles.
Como devemos reagir a este anúncio do amor de Deus feito no Pentecostes? Que devemos fazer com este amor? Se Deus nos amou tanto, também nós devemos amar. Segundo João, se Deus nos amou tanto, também nós devemos amar-nos uns aos outros; passar o amor de Deus para os outros. Temos de deixar passar o amor para os outros. Temos de descobrir uma pessoa de quem não gostemos muito e deixar passar, através de nós para esta pessoa, o amor de Deus.
Na Terra Santa, há o Rio Jordão que forma dois mares: o mar da Galileia, cheio de vida, e o Mar Morto mesmo morto, nem uma erva lá nasce, e é a mesma água do Jordão. A explicação é esta: o mar da Galileia recebe a água do Jordão e deixa-a sair e o Mar Morto recebe a água do Jordão e não a deixa sair dali. Então, coragem! Temos de começar a deixar o amor fluir. Jesus disse: «Há uma categoria de pessoas que merecem o amor: os nus, os doentes, os presos». Hoje diríamos : os imigrantes, os doentes com sida, os extra-comunitários. Estas são as categorias que têm mais necessidade do nosso amor. Vejo daqui um grupo de Irmãs da Caridade da Madre Teresa. Não é sempre fácil ajudar aquelas pessoas mas o nosso coração devia ser acolhedor e sensível.
O amor de Deus tem também o poder de curar; há uma terapia que se pode fazer à base do amor de Deus. São Paulo ensinanos: Carta aos Romanos 8, 31-39. Nos momentos difíceis da sua vida, por exemplo, na 2ª Carta aos Coríntios, descreve os seus sofrimentos. São Paulo está a repensar a sua vida: vê todas estas coisas negativas à luz do amor de Deus e dá-se conta de que o amor de Deus é superior a todas aquelas coisas: os poderes que estão nos astros e sobre a terra, a vida e a morte. Hoje diríamos: infinitamente grande como as galáxias ou infinitamente pequeno como o átomo, que ainda é mais perigoso do que as galáxias. Mas se Deus, o Criador, está connosco, venceremos todas essas coisas. Devemos fazer como São Paulo e ver tudo aquilo que nos impede de sermos livres e alegres; que nos faz ter falta de autoestima; que nos faz estarmos sempre com lamentações sobre um acontecimento do passado. Temos que olhar para todas estas coisas à luz do amor de Deus: Deus ama-me a mim.
Quando o avião levanta, as coisas na terra ficam cada vez mais pequenas. Então, se virmos os acontecimentos da altura do amor de Deus, as coisas da terra ficam mais pequenas. As coisas demoníacas, que eram um enorme e difícil problema no tempo de Paulo, agora pouca importância têm, não há esse medo. Agora os medos são o terrorismo, a poluição do ambiente, as doenças incuráveis. Dou-vos uma pequena fórmula para se lembrarem sempre disto: Deus amame e isso basta.
Vamos voltar ao acontecimento do Pentecostes: há uma mensagem explícita e uma mensagem implícita: – explícita: ser cheio do Espírito Santo, ou estar cheio do amor de Deus, conforme já vimos; – implícita: descobrir a lei interior do Espírito Santo. Quando chegou o dia do Pentecostes, estavam todos juntos no mesmo lugar. Estamos habituados a pensar que o Pentecostes é a chegada do Espírito Santo sobre os apóstolos; mas só percebemos o Pentecostes cristão se o entendermos à luz do Pentecostes antigo. Qual era a razão da festa do Pentecostes antigo? Primeiro, era o momento da entrega das primícias a Deus; na altura de Cristo, festejava-se a aliança no Sinai («esta festa do Pentecostes é a festa da nossa lei», dizem os judeus). Lucas quer fazer uma ligação entre a festa do Pentecostes e o que se passou no Sinai, com Moisés (Êxodo 19).
Santo Agostinho diz: «Olhai as analogias e as diferenças». Cinquenta dias depois da imolação do cordeiro e da saída do Egipto do Povo de Deus, o Espírito Santo escreve a lei sobre tábuas de pedra; cinquenta dias depois da ascensão de Cristo, o Espírito Santo escreve de novo a lei no nosso coração. Isto quer dizer que o Espírito Santo é a lei nova; é aquilo a que São Paulo chama a graça nova: descobrir a lei interior do Espírito Santo, e isto é o que o RCC pode dar à Igreja.
As leis exteriores apresentam-nos alguma coisa como ameaça de castigo mas esta lei interior apresenta-nos a possibilidade de fazer as coisas por amor e não por constrangimento, não por medo. Em Romanos 8, São Paulo fala na lei do Espírito Santo, isto é, o Espírito Santo está liberto da lei do pecado da morte. Há uma frase que os cristãos deviam saber de cor: «Não há mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus». Pensemos num condenado à morte e imaginemos o seu estado de alma; um dia, sente uma voz no corredor, uma voz amiga que lhe diz: «Recebeste uma graça. Estás livre. Não há mais condenação para ti». Isto é praticamente o que Paulo faz. Naquele tempo, toda a humanidade pensava que Deus era um castigador que queria sempre condenar o homem à morte. Nenhum de nós vive com este sentimento de culpa, sentindose condenado; agora estamos livres para sermos verdadeiramente homens e mulheres. São Paulo diz: «Não há nenhuma condenação ».
Vede como o Pentecostes é de uma profundidade extraordinária. Hoje temos de saber qual é a nossa identidade, especialmente para podermos dialogar com os outros: é a religião da graça, e Deus dá-nos a força de sermos capazes de o fazer. O cristianismo não começa dizendo ao homem o que ele dever fazer, mas começa dizendo o que Deus fez por nós. «A graça não nos convida à libertinagem. A graça foi-nos dada para podermos observar a lei e a lei foi-nos dada para podermos viver a graça», palavras de Santo Agostinho. Então, recebamos dentro de nós este amor de Deus, deixando sair de dentro de nós as águas do Jordão, e sintamonos livres de todo o medo e de todo o constrangimento.
Cântico 176 do Cancioneiro do RCC da Diocese de Setúbal
Continuemos esta oração, sobretudo pedindo a nossa cura interior. Vamos libertar-nos dos medos, dos complexos, das recordações negativas, de todos os traumas que temos dentro de nós. Continuemos esta oração, pedindo ao Espírito Santo que nos liberte de todas estas coisas.
Transcrição de Isabel Moraes Marques